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Passos Largos e Urgentes para o Futuro

Por Marina Grossi (*) | 12/04/2018 07:02

Já dizia Guimarães Rosa que “água de boa qualidade é igual à saúde e liberdade: só tem valor quando acaba”. Pois a escassez hídrica dos últimos anos no mundo tem feito com que a pauta da água suba rapidamente ao topo da lista de prioridades a serem tratadas com urgência. Ao mesmo tempo em que vemos a possibilidade iminente de a Cidade do Cabo ser a primeira no mundo a ficar completamente sem água, o Brasil vive hoje o que é considerada sua pior crise hídrica. Embora a falta de água no País tenha ocorrido em outros momentos com gravidade na região Nordeste, a crise que se instalou a partir de 2014 atinge um maior número de pessoas, principalmente na região Sudeste, em particular São Paulo e no Centro Oeste, especialmente o Distrito Federal.

É diante deste cenário, cinco anos depois de a Organização das Nações Unidas (ONU) ter chamado atenção para o problema, promovendo ano da água em 2013, o Brasil sediou em março o 8º Fórum Mundial da Água (World Water Forum 8). Foi a primeira vez que o evento aconteceu no Hemisfério Sul, num momento crucial, em que se voltaram para a água os olhos não só da sociedade civil, e do terceiro setor, mas especialmente dos governos e das empresas.

O CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) já vem há anos tratando do tema Água em uma de suas câmaras temáticas, criada em 2007, que tem das participações mais ativas de suas empresas associadas, por ter se envolvido profundamente com o Fórum, assumindo o posto de chair do Grupo Focal de Sustentabilidade no evento, entende ser urgente a necessidade de um Compromisso efetivo do empresariado brasileiro com o tema Água, como sendo uma espécie de comprometimento das empresas para com o Brasil.

É preciso reconhecer, é claro, que o setor empresarial brasileiro alinhado com as boas práticas mundiais na utilização desse importante recurso, vem desenvolvendo diversas soluções para enfrentar a crise hídrica e reduzir o consumo de grandes volumes de água potável, que podem ser poupados pelo reúso, gestão de perdas, tratamentos sustentáveis para reutilização de efluentes industriais e domésticos, preservação de bacias e mananciais, etc.

Sabemos que, de maneira geral, a forma que o ser humano se relaciona com a água se dá por um fluxo linear, em que a água é extraída do meio ambiente, tratada, utilizada e então descartada. Este fluxo apresenta diversas falhas no que concerne à continuidade do recurso para futuras gerações, e não só deve como já vem sendo repensado por conta dos riscos da falta de abastecimento para a população, pelos riscos de conflitos geopolíticos, pelos prejuízos econômicos que podem ser gerados na indústria e comércio.

Mesmo assim, baseado em tendências atuais de crescimento populacional, aumento de produção industrial (agricultura e manufatura), acelerada urbanização de países em desenvolvimento, e expansão do fornecimento municipal de água especialmente nesses países, a demanda por água está projetada para exceder o suprimento sustentável em 40% até 2030. O cálculo é de estudo realizado pelo World Business Council For Sustainable Development (WBCSD). Até 2050 esse excedente pode ser de 50%, diz a ONU em outro estudo de 2014.

É diante desse contexto que o Fórum Mundial da Água teve o papel fundamental em discutir soluções viáveis para a gestão desse recurso nas próximas décadas, e coube ao CEBDS a reunião de boas práticas de suas associadas e o compromisso desse setor empresarial com metas pré-estabelecidas para uma gestão mais eficiente no uso da água. Assim, o CEBDS buscou promover um salto de qualidade na gestão hídrica empresarial, de forma a fomentar e replicar boas práticas em toda a cadeia empresarial.

De que forma? Tivemos três linhas importantes de atuação que foram destacadas durante o Fórum. A primeira delas, como já citada, é a nossa carta compromisso. Mais do que uma declaração de intenções, o documento busca trazer para a sociedade uma visão do que está sendo realizado pelo setor empresarial em prol da água no Brasil. Este panorama será completado com uma visão dos planos de ação das empresas para os próximos anos, seus projetos, suas parcerias e associações em iniciativas locais nas diversas regiões do País. A partir desse documento, serão estabelecidas metas claras e objetivos específicos a serem atingidos ao longo dos próximos anos pelas empresas associadas ao CEBDS.

Vale lembrar que o CEBDS, representante no Brasil da rede do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), que conta com quase 60 conselhos nacionais e regionais em 36 países e de 22 setores industriais, além de 200 grupos empresariais que atuam em todos os continentes, é para o Brasil o principal órgão de atuação no tema sustentabilidade junto ao meio empresarial. O CEBDS reúne cerca de 60 dos maiores grupos empresariais do país, com faturamento de cerca de 40% do PIB e responsáveis por mais de 1 milhão de empregos diretos. Uma ação com seus associados tem um efeito multiplicador que pode fazer a diferença para o futuro que pretendemos mais sustentável do que o cenário que se apresenta hoje.

A segunda ação do CEBDS para colocar a água como prioridade máxima das empresas brasileiras nos próximos anos, foi o lançamento em português do Guia para CEOs voltado especificamente para esse tema, e desenvolvido pelo WBCSD. Com o título “Criando Empresas Resilientes”, o material traduzido guia os administradores de empresas por um caminho seguro na gestão hídrica eficiente. No guia, é apresentado o problema ao CEO, como o que menos de 3% da água do mundo é fresca e a maior parte não é facilmente acessível, ou que apenas cerca de 0,5% do total de água doce está disponível para satisfazer todas as necessidades humanas e da natureza. Com essa conscientização, acreditamos que podemos fazer a diferença na hora de tomar decisões. Acreditamos que esse executivo poderá se pautar pelas boas práticas, se melhor conhecê-las.

Por fim, lançamos um guia complementar que visa auxiliar as empresas brasileiras na implementação de uma economia circular de água em seus processos industriais, através de estratégias que considerem a prevenção de situações de riscos ligados ao recurso. Entre os principais aspectos que envolvem a economia circular, detalhamos as ferramentas utilizadas e tecnologias disponíveis para a execução dos processos mais eficientes.

O Brasil possui um enorme potencial de desenvolvimento e uso de tecnologias para aprimorar sua disponibilidade hídrica, além de reduzir sua demanda industrial por meio de técnicas de reuso de água. Com essas ações, o CEBDS acredita estar fazendo sua parte para promover o uso eficiente e diminuir a pegada hídrica das indústrias do País, colocando os dois pés no século XXI, de forma a utilizar toda a tecnologia disponível para caminhar adiante.

Porém, é preciso que outros segmentos acompanhem esse movimento. Não é mais possível ao Brasil ignorar que no universo da água, possui ainda um pé no século XIX, especialmente no que diz respeito ao saneamento público. São alarmantes os dados que nos chegam sobre o tema, no que diz respeito a todo o fluxo de consumo, da água captada, ao descarte. Segundo o Trata Brasil, 35 milhões de brasileiros sequer tem acesso a água tratada. Isso num país em que a cada 100 litros, 37 são perdidos. No total, a soma desse volume de água perdido poderia encher seis vezes o sistema de abastecimento da Cantareira, em São Paulo.

Em relação ao descarte, enquanto falamos de técnicas inovadoras de reuso na indústria, sabemos que mais de cem milhões de brasileiros não têm coleta de esgoto. Somente dez das maiores cidades brasileiras tratam mais de 80% de seu esgoto. E mais: 4 Milhões de habitantes ainda não têm sequer acesso a banheiro.

Esse universo paralelo tem que ser encarado e o problema enfrentado, com investimentos e força de vontade política. Se nada for feito, nada muda. E de nada adianta o CEBDS construir essa ponte para o futuro em relação ao cenário da água no meio empresarial, se no entorno da indústria, o caos, o descaso, a ineficiência e o desperdício continuarem a reinar. O Fórum Mundial da Água foi uma oportunidade de dar esse primeiro passo rumo ao futuro sustentável. Uma oportunidade de alinhar objetivos, definir metas e fazer como o meio empresarial já está fazendo: colocando a pauta no topo da lista de prioridades, e elencando ações eficientes, com anteparo tecnológico, capacitação e investimentos. Quem estará junto conosco nessa missão, com passos largos e urgente rumo ao futuro?

(*) Marina Grossi é economista e assumiu a presidência do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável em 2010.

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