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Tempos e costumes

Por Dante Filho | 21/12/2015 16:09

A última decisão do STF bagunçou o coreto do impeachment de Dilma. Melhor pra ela. Pior para o País. No ato seguinte, pra quem gosta de bagunça, o PMDB – partido da estabilidade – transformou-se em campo de batalha com a luta aberta entre Temer e Renan, iniciando um jogo que não terminará bem.

Nesse meio tempo, fatos sucessivos: as oposições continuam perdidas, o Ministro da Fazenda Joaquim Levy foi substituído por Nelson Barbosa (que estava no Planejamento), a percepção dos agentes econômicos piorou, a Lava Jato permanecerá para garantir novidades tremelicantes, e o quadro pessimista permanecerá assombrando os lares brasileiros como nunca se viu antes. Como diz Roberto Carlos, emoções...

O PT acredita que a hora é agora: tentará fazer uma aposta bolivarianista para antagonizar classes sociais, gerando mais confusão, inviabilizando qualquer saída institucional que não passe pelas eleições de 2018. Até lá, o partido espera que Lula esteja com a imagem recuperada para enfrentar os adversários do momento. O petismo diz que não haverá golpe, mas aposta em pequenos golpes institucionais para fazer valer suas vontades.

Por isso, está mais do que claro que 2015 não terminará em 31 de dezembro. O ano de 2016 – tudo indica – começará lá pelos fins de março, quando as águas estivais fecharem o verão e a sensação de que algo mais ameno possa vir pela frente (pelo menos publicitariamente) será tudo ilusão , pois o fato é que estaremos vivendo o ápice da crise, com as massas nas ruas, provavelmente com o deputado Eduardo Cunha fora do Congresso, e Lula na bica para ser chamado a fazer uma visita ao carcereiro de Curitiba.

O tempo cronológico no Brasil será apenas uma força expressão. O clima e o clamor seguirão no mesmo ritmo, pouco havendo de diferente no que toca às apreensões do momento. Esse hiato entre os festins de final de ano, recesso congressual, férias nas praias etc., servirá apenas para que as pessoas afiem os punhais de suas respectivas consciências e planejem as estratégias de luta que vem pela frente. Não será fácil.

Não quero agourar o País, mas alguém consegue imaginar um cenário tranqüilo com inflação em alta, renda em baixa, desemprego galopante, escândalos sucessivos de corrupção, delações disruptivas, violência urbana crescente, escassez financeira nos setores públicos e privados, corrosão da infra-estrutura, enfim, o caos cotidiano dominando a cena, sem que se possa contar com uma liderança que represente uma tênue credibilidade de que medidas certas possam ser tomadas?

Nos últimos 20 anos o País viveu relativa estabilidade. Claro que houve momentos tensos. Mas uma geração inteira – milhões e milhões de pessoas – viveu sob a égide da baixa inflação, da previsibilidade democrática, aproveitando as delícias do consumo e do credito aberto. Essa tigrada – ao contrário da geração anterior – não aprendeu no cotidiano as estratégias de sobrevivência próprias de períodos de escassez, de contenção de gastos pessoais e de custo de vida girando numa dinâmica mais acelerada do que os ganhos salariais. Ou seja: essa dura e sofrida adaptabilidade terá um preço social inimaginável, num cenário psíquico imprevisível.

A saída de Dilma – renúncia ou impeachment, pouco importa – e a prisão de Lula talvez criassem um fator de descompressão na sociedade que permitisse recolocar planos de austeridade econômica de médio prazo para que pudéssemos superar as adversidades políticas que nos afligem.

O que o STF decidiu na semana passada, contudo, foi uma aposta arriscada, talvez imaginando provocar um rearranjo de forças parlamentares que garantam um mínimo de governabilidade até o final de 2016, sobretudo porque a força gravitacional do processo estará por conta das eleições municipais.

Mesmo assim, as dúvidas são muitas porque o eleitorado está atingindo o ponto máximo da ojeriza em relação ao sistema político vigente. Uma saída foi apresentada quando se propôs, entre outras, o fim do voto obrigatório. Mas o conservadorismo latente da classe política brasileira não consegue enxergar nossa tênue democracia sem a existência de currais, aos quais nutre com extremo zelo à base de um clientelismo quase medieval.

Quando me perguntam assombrado aonde vamos chegar, sempre respondi com cinismo, afirmando que a malandragem é a manifestação de uma espécie de criatividade que um dia nos salvará. No momento, quando enfrento esses debates infrutíferos sobre o futuro do País, tenho preferido ficar em silêncio, ruminando sozinho as minhas perplexidades. Não é fácil. Melhor ir embora para Pasárgada.

(*) Dante Filho é jornalista

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