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Capital

“Maltrataram criança”: conselho tutelar denuncia abuso policial durante operação

Audiência pública expõe impasse fundiário e reforça pedido por reassentamento seguro às famílias

Por Ketlen Gomes e Mylena Fraiha | 10/12/2025 14:53
“Maltrataram criança”: conselho tutelar denuncia abuso policial durante operação
Moradores relatam ação truculenta e maltratos a crianças, durante operação no Carandiru. (Foto: Paulo Francis)

Na manhã desta quarta-feira (10), durante audiência pública na Câmara Municipal de Campo Grande (MS)  moradores denunciaram abusos e violência policial na operação de 29 de outubro e afirmaram que os agentes “maltrataram crianças” no Residencial Athenas II, conhecido como “Carandiru”. A reunião foi convocada para discutir a regularização fundiária da ocupação irregular.

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Moradores do Residencial Athenas II, em Campo Grande, denunciaram abusos e violência policial durante operação realizada em 29 de outubro. Eles relataram humilhações, invasões de domicílios sem mandado e maus-tratos a crianças, incluindo uma autista de sete anos. A conselheira tutelar Aline Ayala destacou a agressividade da ação, enquanto moradores pedem dignidade e regularização fundiária. A Defensoria Pública reconheceu excessos e defendeu políticas públicas de moradia. A Guarda Civil Metropolitana afirmou buscar melhorar a relação com a comunidade, promovendo ações de prevenção e interação.

A conselheira tutelar Aline Ayala, que acompanhou a operação e atende as famílias da região, relatou aos vereadores a violência direta contra uma criança autista de sete anos, que havia entrado em crise após ver a casa ser invadida por policiais. “A forma como eles estavam entrando era muito agressiva: com tesourão, chutando porta”, disse.

Aline afirmou que um policial se dirigiu ao garoto e declarou: “Pega esse vagabundo aqui, esse menor aprendiz de vagabundo, porque ele quer se aproveitar da identificação de autista”. A conselheira relata que a criança ficou paralisada e a mãe tentou pagá-la, mas ele não conseguia se mover devido ao medo dos agentes.

“Maltrataram criança”: conselho tutelar denuncia abuso policial durante operação
Conselheira tutelar fala em audiência pública de ação violenta contra criança autista. (Foto: Juliano Almeida)

O Conselho foi levado à operação sob o pretexto de uma reunião com os moradores, mas no caminho Aline descobriu que seria usado como base para a invasão das casas. Ela também citou outras violações como falta de água, energia improvisada por mangueiras, bullying em escolas e cobranças coercitivas de serviços públicos. “É sempre um olhar de suspeita sobre a população.”

Moradora do local há 19 anos, Marcela Souza, de 30 anos, descreveu as situações de humilhação e violências vividas pelas famílias no dia da operação. “A gente é tratado como os bandidos. Nós não somos. As crianças são tratadas como filhos de traficantes, a polícia não respeita as crianças, não respeita as mulheres. A gente só quer dignidade”, desabafa.

Marcela é mãe de uma criança de 10 anos em tratamento de câncer, após ter sido diagnosticada com leucemia linfoblástica aguda. Ela relata que a população do local só é assistida pelo CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), pelo posto de saúde e, agora, pelo Conselho Tutelar. Segundo a mãe, quando os policiais chegam, não verificam se os itens dos moradores foram comprados e os tratam como criminosos.

“Eles falam que ali só tem traficante, mas não perguntam como você conseguiu aquilo. Levaram meu celular, levaram meus documentos”, disse a moradora, que só conseguiu recuperar os itens com a ajuda de uma advogada. Marcela informa ainda que o celular do filho, que ainda está pagando, também foi levado e os policiais não perguntaram se ela tinha nota.

“Maltrataram criança”: conselho tutelar denuncia abuso policial durante operação
Marcela mora no local há 19 anos e descreveu situações de humilhação e violências vividas pelas famílias. (Foto: Juliano Almeida)

Morador desde 2008, o pedreiro Alison Pereira, 33 anos, classificou a operação como “excessiva” e “covarde”. “Os policiais chegaram arrombando todos os apartamentos, sem pedir permissão. No meu, se tivessem pedido, eu teria aberto. Mas arrebentaram portas, maltrataram crianças e moradores. Chegaram armados, de colete, como se fosse uma zona de guerra.”

Alison afirmou que questionou os agentes sobre a ausência de mandado judicial e foi intimidado. “Toda vez que vão lá, principalmente a Polícia Civil, entram sem mandado, fazem um auê, e nunca tem resultado nenhum.”

O defensor público Danilo Hamano Silveira Campos, coordenador do NUFAMD (Núcleo de Atendimento Fundiário e Moradia Digna), afirmou que há indícios de abusos no residencial. “No nosso entendimento, há, de fato, excessos. Mas isso não será resolvido sem antes resolver a questão fundiária”, apontou.

Ele reforçou que a solução passa por políticas públicas de moradia, parceria entre Agehab (Agência de Habitação de Mato Grosso do Sul) e Emha (Agência Municipal de Habitação de Campo Grande) e reassentamento das famílias, que pedem um espaço, mesmo que não seja uma moradia pronta, mas que eles possam ter um local próprio. Danilo destacou ainda que moradores devem procurar a Defensoria em casos de violência policial.

Por outro lado, o diretor de habitação da Emha, Douglas Torres, afirmou que o município trabalha para identificar uma área adequada para reassentar as famílias. Segundo ele, o processo demanda tempo pela necessidade de dividir os terrenos e garantir justiça na distribuição dos lotes.

“Hoje, o reassentamento é a melhor alternativa. Depois, em parceria com a Agehab, buscamos viabilizar a construção das unidades habitacionais.”

“Maltrataram criança”: conselho tutelar denuncia abuso policial durante operação
Moradores do Carandiru com representantes do poder público, durante audiência na Câmara Municipal. (Foto: Juliano Almeida)

A GCM (Guarda Civil Metropolitana) esteve na ação, e o subcomandante Alexandre Pedroso afirmou que busca melhorar a relação com os moradores, destacando que há pessoas de bem na área e que a Guarda deve atuar com foco nos direitos humanos, mas sem se omitir quando necessário.

“Vamos realizar visitas, conversar com as famílias, levar palestras de prevenção e até interação com o cão de cinoterapia. Queremos quebrar o estigma de que as forças de segurança são repressoras.”

A operação, realizada no dia 29 de outubro, foi uma tentativa de “mostrar a presença do poder público” e responder a denúncias de tráfico e furtos. Durante a vistoria, apenas um homem de 40 anos foi detido por receptação e furto de energia. Além disso, apreenderam-se dois carros e uma moto com documentação irregular, uma pequena porção de maconha e objetos sem comprovação de origem, como máquinas e ferramentas.

Na época, a Vigilância Sanitária interditou um bar improvisado apontado por moradores como ponto de troca de itens furtados por funcionar sem alvará e recolheu equipamentos e uma mesa de sinuca do local.

A reportagem entrou em contato com a Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública), mas até a publicação da matéria não obteve resposta. O espaço segue aberto para posicionamento.

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