Perícia em celular revela cabo da PM negociando venda de “muamba”
Magnelson Bonfim Reis virou réu em agosto deste ano, acusado de facilitar contrabando em Dourados

Perícia feita no celular do cabo da Polícia Militar Magnelson Bonfim Reis, 32, revelou detalhes da ligação dele com o esquema de contrabando de produtos trazidos do Paraguai e introduzidos ilegalmente em território brasileiro.
Segundo relatório referente à análise dos dados extraídos do aparelho celular apreendido com Magnelson Reis, ao qual o Campo Grande News teve acesso, o policial não só facilitava a passagem de cargas de contrabando, mas também revendia produtos ilegais apreendidos.
Em outra conversa pelo aplicativo WhatsApp, o policial oferece emprego ao primo. A função seria motorista de carros lotados de contrabando. “Se não perder a carga, dá para ganhar 9 mil por mês”.
Em agosto deste ano, Reis virou réu em processo por corrupção passiva e facilitação de contrabando e descaminho, acusado de receber propina para avisar “muambeiros” sobre escalas de trabalho e fiscalizações programadas para Vila Vargas, em Dourados.
Localizado na BR-163, na saída para a Capital, o distrito é considerado entreposto do contrabando trazido de Pedro Juan Caballero e depois, distribuído para vários estados brasileiros. Em setembro deste ano, dois empresários, donos de hotéis do distrito, foram presos pela Polícia Federal por ligação com contrabandistas.
O relatório com a análise de dados do celular de Magnelson Reis foi enviado no mês passado ao juiz da Autoria Militar Alexandre Antunes da Silva pelo major Marcel Vargas Fernandes, responsável pela investigação da Corregedoria contra o policial douradense.
“Original” – A perícia no celular revelou contato de Magnelson Reis com homem identificado apenas como Alexandre, no dia 21 de outubro do ano passado. Na conversa, o policial oferece 30 óculos de sol da marca Maresia e diz que o produto é original. “No Mercado Livre, tá 270 cada”.
“Depois quero te fazer uma proposta, te soltar para fazer umas vendas aí, vendendo é 50% para cada”, afirmou Reis a Alexandre. O policial não cita a procedência dos óculos, mas os indícios são de que se tratavam de produtos apreendidos com os muambeiros e desviados pelos PMs lotados em Vila Vargas.
Em seguida, o policial enviou fotos de um dos óculos. “Vamos por pra rodar”, responde Alexandre. “Tem 30 deles. Daí, se vender no atacado, sai mais barato, mas dá para vender picado também”, diz o policial.
Alexandre disse então que precisavam fazer umas fotos “bem top” dos óculos para anunciar e combinar preço bom para sair rápido. “Eu não posso aparecer, vou até deixar com você”, afirmou o cabo da PM.
Prevaricação – Em outra conversa, no dia 13 de outubro do ano passado, Magnelson Reis e outro policial, identificado como o cabo Helcius Dias Klain, falam sobre possível prevaricação (crime cometido por servidor público ao deixar de cumprir dever de ofício).
“Acabou de passar uma Parati cheia de muamba, mas não to afim de trabalhar, deixei ir embora, só não abordar”, disse Klain. “Na Formosa [distrito de Vila Formosa]?”, quis saber Reis. “Saindo do restaurante da Sapé [distrito de Vila Sapé]”, respondeu Klain.
Na mesma conversa, Helcius Dias Klain envia a Magnelson Reis a postagem do grupo de Facebook “Tretas Dourados”, em que autor anônimo denuncia o esquema envolvendo policiais militares de Vila Vargas com o contrabando, inclusive, do comando do destacamento.
“Não duvido ser mike que postou isso, ou muambeiro”, afirmou Reis. “Mike” se refere à expressão “Papa Mike”, linguagem adotada entre os policiais para se referir a PMs. “Tá com cara de puliça, foi muito específico – apreensões, comandante da vila”, respondeu Klain.
Primo – A perícia no celular do cabo Reis também revelou conversa dele com contato identificado como “Wagner Primo”, no dia 20 de dezembro do ano passado. No diálogo, o policial diz conhecer pessoas que possam contratar Wagner para trabalhar como batedor de carga ou motorista de carro lotado com muamba.
Eles começam conversando sobre um “bico” que Wagner tinha feito em empresa de transporte, da qual ele desconfiou de ligação com o roubo de cargas.
Depois, o PM explica ao parente como funciona o esquema de contrabando: “povo traz mercadoria até aqui e daqui os freteiros dividem e levam picado para SP. Porque daí, se perde, perde pouco e não a carga toda”, diz Reis.
“To precisando levantar uma grana”, diz Wagner. O policial então conta o caso de uma mulher abordada por eles com muamba que disse faturar R$ 1.800 por frete para trazer contrabando de Ponta Porã até Dourados, onde as cargas ficam na “base” da quadrilha até serem enviadas para fora do Estado.
“Faz duas viagens na semana, às vezes até três. Diz ela que se perder o carro de Ponta Porã a Dourados o patrão dá outro. Se perder de Dourados para frente, que é o trecho mais complicado, aí é por conta dela”, falou o PM Reis. “Se trabalham o mês todo sem perder é 9 pila [R$ 9 mil] no fim do mês”, completou.
“Dá para tentar”, responde Wagner. “Se quiser arriscar eu te passo o contato de uns caboclo aí! Te dou referências”, diz o cabo Reis. “Mas só voltam em janeiro, daí te ajeito os contatos e falo com os caras. “Bora”, responde Wagner.
Denúncia – O processo em que Magnelson Reis é réu por corrupção passiva começou após a chefia da PRF (Polícia Rodoviária Federal) em Dourados comunicar ao comando da PM que policiais em fiscalização na BR-163 teriam se apropriado de mercadorias importadas ilegalmente.
Segundo a denúncia do Ministério Público, Reis fazia parte de grupo no WhatsApp, onde compartilhava informações sobre o policiamento na região com pessoas que compravam produtos no Paraguai para revender no Brasil sem o devido pagamento de impostos.
“O contrabando era organizado em um grupo de aplicativo denominado ‘CAMISA 10’. O referido grupo era composto por 33 integrantes, sendo transportadores de mercadorias de produtos de contrabando e descaminho, que utilizavam o distrito de Vila Vargas como base para suas operações criminosas”, detalha a acusação.
O policial, ainda segundo a denúncia feita no dia 30 de junho deste ano pelo promotor José Arturo Iunes Bobadilla Garcia, se identificava como Everton e usava linha telefônica no nome de uma mulher para conversar com os “muambeiros”.
Magnelson Reis está na Polícia Militar desde 2008 e, em 2018, foi o primeiro da turma em curso de formação para sair do cargo de soldado e virar cabo. Ele responde ao processo em liberdade.
O Campo Grande News procurou a assessoria jurídica da Associação de Cabos e Soldados da PM para saber se a defesa de Magnelson Reis quer se manifestar e aguarda resposta.