ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
JUNHO, SEXTA  06    CAMPO GRANDE 28º

Comportamento

Comunidade perde o benzedeiro surdo que herdou dom da bisavó

José Antorildo foi escolhido para abençoar sem precisar dizer nada e "curava com o olhar"

Por Natália Olliver | 05/06/2025 12:04
Comunidade perde o benzedeiro surdo que herdou dom da bisavó
José escolhia com o dedo e com coração quem precisa da bênção (Foto: Aletheya Alves)

Surdo não oralizado (ou seja, que não utilizava a língua falada como principal forma de interação com as pessoas, nem a Libras), José Antorildo Batista foi escolhido para abençoar sem precisar dizer uma palavra. A oração era feita em seu pensamento e no da pessoa que recebia a bênção. O dom foi herdado da bisavó, Eva Maria de Jesus, a Tia Eva. José faleceu nesta terça-feira, aos 76 anos, e manteve o trabalho espiritual até quase o fim da vida.

Ainda processando a morte do tio benzedeiro, mais conhecido como Toído, Vânia Lúcia Batista Duarte conta um pouco da história do homem que se comunicava com o olhar e que era tão bem conhecido e amado pela comunidade Tia Eva.

Com 49 anos, Vânia não sabe dizer ao certo desde quando o tio começou a benzer, mas afirma que, desde que se conhece por gente, José já realizava esse trabalho.

“Ele benzia muitas crianças com febre, dor de barriga, que nasciam com ventre virado, pessoas com dores. Não escolhia a enfermidade, mas benzia de bom grado e as pessoas voltavam, falavam que estavam bem. Fez isso durante anos. Ele era a própria comunidade.

Comunidade perde o benzedeiro surdo que herdou dom da bisavó
José é bisneto da Tia Eva e herdou dom de ser benzedeiro (Foto: Vânia Lúcia)

Muitas vezes a pessoa não “pedia” pela bênção, mas bastava que ele apontasse o dedo para que os outros em volta informassem que ela tinha sido escolhida para ser benzida. José pedia autorização com os olhos, e a comunidade sempre ajudava o eleito a entender como ele se comunicava.

Vânia conta que o tio nunca trabalhou ou estudou e que a língua de sinais chegou muito depois, quando as palavras e os sentidos já tinham sido formados de um jeito próprio.

“Ele pegava uma folha de uma árvore e fazia as benzeções e falava do jeito dele. A pessoa voltava, fazia os três dias de bênção e recebia a graça. De uma maneira muito simples e conectada à fé dele, as pessoas saíam com a cura. Já perguntei para minha avó desde quando ele benze, mas ela não diz, quer manter isso com ela. O que sabemos é que é uma pessoa escolhida".

Sobre a língua de sinais, ela acrescenta que a família tentou apresentar a Libras para ele em duas tentativas, mas que José não se adaptou. Com os aparelhos auditivos foram a mesma coisa.

“Ele era de outro tempo. Mesmo com a deficiência, era comunicativo, até fazia fofoca, quer dizer, informava. A gente ficava prestando atenção nele para ver quais gestos ele estava fazendo, pela convivência já sabia se ele queria ir lá fora, comprar determinada coisa, se estava com dor, a gente entendia”.

Comunidade perde o benzedeiro surdo que herdou dom da bisavó
Vânia de chapéu vermelho, o tio José e a irmã Luciana (Foto: Vânia Lúcia)

A relação dos dois era de extrema proximidade. Vânia morava com a avó, e era ele quem cuidou dela na infância.

“Ele era uma pessoa com deficiência auditiva e era um grande comunicador. Sempre participava das coisas, gostava muito de dançar, era católico e sempre estava na missa, participando de todas as festas. Era cativante e muitas pessoas gostavam dele. Ele vivia uma vida coletiva na comunidade, almoçava onde ele queria, sempre na casa de alguém”.

Há dois anos, José perdeu a visão também e a família se reuniu para conseguir uma cirurgia de emergência para ele. Tempos depois, ele voltou a enxergar, mas já não benzia mais.

“Isso doeu para todo mundo. O que ele tinha era a visão e, através disso, ele fazia a comunicação. A família se reuniu, correu de várias formas e conseguimos. Isso foi muito abençoador, porque ele ficou muito recluso nesse tempo”.

Antes disso, José ia para a missa e adorava a Igreja de São Benedito, que está para ser reformada após muitos pedidos da comunidade e lamentos do descaso em que o prédio histórico estava.

“Ele sempre participou de todas as festividades na Igrejinha. Ele vinha no terço e fazia as orações lá também.” O irmão mais novo de José, Hamilton Antônio de Arruda Batista, de 69 anos, comenta que ele deixará um vazio na comunidade.

“Meu irmão era comunicativo, amava as festas e as missas. Todos vinham procurá-lo para fazer o benzimento. Ele vai fazer muita falta na comunidade. Ele sempre estava à disposição das pessoas para ajudar. Foi uma perda muito grande”.

Herança da Tia Eva, o velório de José está sendo realizado no salão da comunidade até as 13h30, e o enterro será no cemitério Jardim das Palmeiras, próximo a UCDB.

Comunidade perde o benzedeiro surdo que herdou dom da bisavó
José Antorildo Batista era benzedeiro no Tia Eva e faleceu aos 76 anos (Foto: Arquivo pessoal)

Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial, Facebook e Twitter. Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui).

Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.

Nos siga no Google Notícias