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Comportamento

O que resiste na praça da antiga foto que uniu 2 policiais e 1 desconhecido

Thailla Torres | 26/08/2017 07:15
Em 2017, reproduzimos a foto com guardas municipais e seu Antonio, que se diverte na praça aos 97 anos. (Foto: João Paulo Gonçalves)
Em 2017, reproduzimos a foto com guardas municipais e seu Antonio, que se diverte na praça aos 97 anos. (Foto: João Paulo Gonçalves)

A foto com certeza marcou a história dessas três pessoas na década de 1950. Em preto e branco, o retrato encontrado nos arquivos do Arca (Arquivo Histórico de Campo Grande) mostra dois policiais e outro homem sorridente na frente de uma estátua na praça Ary Coelho. Sem que o verde tomasse conta do cenário é possível ver ao fundo os prédios que ainda estão intactos na Afonso Pena, na esquina com a 14 de Julho.

Infelizmente, os registros não esclarecem o autor ou quem são as pessoas da imagem. Mas pelo sorriso, deduzimos que o lugar sempre foi um ponto de encontro para compartilhar alegria entre os visitantes.

Pelos 118 anos de Campo Grande, voltamos à praça Ary Coelho em busca de quem são as pessoas que desempenham a mesma função daqueles guardas e quais os desconhecidos que fizeram do lugar um ponto de encontro.

De um lado, estão os mesmos senhores de sempre, que não abrem mão da jogatina. A concentração é tanta que ninguém ousa interromper um jogo, eles também se desconectam do que acontece lá fora e não dão muita atenção se você pede licença. Aliás, o olhar é de reprovação a cada tentativa.

Com 88 anos, João é mais conhecido que "farinha'' na praça Ary Coelho. (Foto: André Bittar)
Com 88 anos, João é mais conhecido que "farinha'' na praça Ary Coelho. (Foto: André Bittar)

Do outro lado, a caixa de madeira é o sinal do lambe-lambe que ainda resta, mas diante da paradeira prefere nem conversar sobre o assunto, parecem mesmo prestes a deixarem o ofício.

Mas quem não tira o sorriso do rosto chama atenção porque parece distribuir otimismo por ali. É o caso do senhor João Alves Sobrinho, de 82 anos, que aparece todo dia com uma das melhores lembranças da infância: o carrinho de picolé.

Ver João distribuindo o sorvete é como ouvir a buzina do picolezeiro anunciando sua chegada no bairro. Enquanto fica na praça, não faltam clientes e bons amigos. É assim que mantém uma relação com a praça há 23 anos.

Chegou a Campo Grande em 1966 depois de largar a vida sofrida no Ceará. O jovem que poderia ter se encorujado pelas palavras do pai, resolveu seguir o próprio destino com o coração. "Sou praticamente analfabeto, minha filha. Fiquei 15 dias na escola porque meu pai disse: você só dá pra servir a roça, menino".

Foi na enxada que João cresceu e aprendeu a viver. Nunca guardou ressentimento do pai, mas também nunca voltou ao Ceará. "Cheguei aqui moleque. Fui trabalhar na roça, conheci minha esposa e fui ter uma família".

A ligação com a praça começou quando passou a vender picolé. O lugar era bom para o negócio e foi ali que conquistou uma clientela fiél. "Aqui sou mais conhecido que farinha. Ninguém chega nessa praça sem me cumprimentar", comemora.

Ir à praça é uma alegria infinita para Antônio, de 97 anos. (Foto: João Paulo Gonçalves)
Ir à praça é uma alegria infinita para Antônio, de 97 anos. (Foto: João Paulo Gonçalves)

Perto dele está outra figura que define bem a felicidade que é visitar a praça diariamente. Antônio Emanuel da Silva, tem 97 anos e faz questão de exibir o documento, já que aparenta ser mais jovem. Bem vestido, perfumado e de cabelos pintados, Antônio mantém a vaidade para visitar os amigos.

"Venho nessa praça há 13 anos. Principalmente depois que minha esposa morreu. Não gosto de ficar em casa, fico desacorçoado quando fico sozinho", desabafa.

Antônio veio de Pernambuco aos 23 anos. Sempre foi um homem vaidoso e depois de viúvo o cuidado com a aparência foi o lhe ajudou a reagir. "Imagina só, nessa idade eu ainda estou arranjando mulher. Então me cuidar deu certo um pouquinho", sorri.

Apesar de vaidoso, ele assume uma postura humilde em falar sobre as condições de quem aos 97 anos é analfabeto. "Nunca fui na escola, passei a vida na roça. Acho que trabalhei tanto nessa vida que só me faltou mesmo morrer, mas continuo vivo nesse mundo. É Deus que me quer aqui".

Para sobreviver longe do conhecimento, ele revela alguns truques. "Aprendi a contar dinheiro. Olho o ônibus pelo número e só converso com quem é funcionário do banco. O resto a gente vai aprendendo de olhar", diz.

No mais não há do que reclamar. Os dias que Antônio não comparece a praça, os amigos já sabem que ela está na melhor. "Eu arrumei uma namorada ali na farmácia, tem 68 anos e quando ela vai lá em casa eu não venho aqui, mas todo mundo entende".

Depois de uma boa conversa, Antônio se despede no rumo de casa, mas com o compromisso de voltar à praça para compartilhar alegria e levar otimismo a outros amigos. "Isso daqui me deixa feliz, por isso eu venho todo dia".

Como não encontramos o paradeiro de quem são os personagens da fotografia. Reproduzimos a imagem com dois guardas municipais e seu Antônio que compartilham a felicidade de estarem na praça diariamente.

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Fotografia de 1950 encontrada nos registros históricos da cidade. (Foto: Arquivo Histórico)
Fotografia de 1950 encontrada nos registros históricos da cidade. (Foto: Arquivo Histórico)
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