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A peleja do Código Florestal Brasileiro

Por Suzi Huff Theodoro (*) | 14/08/2011 10:00

Tenho lido com interesse os debates e posturas defendidas acerca do Código Florestal. Tem cientistas com laudos irrefutáveis dos dois lados. Em quem acreditar? Quem tem mais crédito científico? Quem defende os reais interesses do Brasil, sejam eles da agricultura familiar ou empresarial ou da conservação da nossa biodiversidade?

A discussão sobre a necessidade ou não de alteração do código florestal brasileiro vem contagiando vários setores da sociedade. Em certos momentos tenho a sensação de que a nossa paixão nacional por futebol foi transferida para este assunto. Isto, como tudo na vida, tem um lado bom e um ruim. É bom, porque coloca no centro do debate um tema que é fundamental para a sociedade brasileira, que será direta ou indiretamente afetada caso as mudanças propostas sejam transformadas em Lei. O lado ruim é que muita gente, em nome de interesses nem sempre claros, se alvoroça como especialista ou defensor de uma ou de outra visão.

Disso tudo fica a impressão de que o debate ambiental é apenas uma cortina que encobre os reais interesses de um e outro grupo (ruralistas e ambientalistas), e que são subliminares, uma vez que dizem respeito às questões econômicas. Não se pretende aqui concluir que tais questões sejam mais pertinentes que as ambientais. As duas compõem um mesmo lado da moeda, uma vez que devem estar em sinergia e em equilíbrio em prol da construção de um país que não quer esperar eternamente pelo futuro.

Aqueles que querem a alteração do Código Florestal, de modo geral, são nominados como ruralistas e quase sempre remetem a discussão para a triste e sofrida vida dos agricultores familiares brasileiros que, segundo esta corrente, estão ou estarão impossibilitados de sobreviver em suas propriedades devido às restrições ambientais impostas pelo Código em vigor.

A meu ver esta categoria não é frágil nem uniforme e não pode ser utilizada como massa de manobra. Tem agricultor familiar altamente tecnificado, usuário contumaz de tecnologias de ponta e de agroquímicos de ultima geração, até os agricultores que vivem à margem do sistema e que, portanto, não têm acesso aos financiamentos oficiais, à assistência técnica ou às tecnologias adequadas. Porém, nessa discussão do Código Florestal todos fazem parte da mesma massa, e são freqüentemente caricaturados como matutos, os Zés que são inviabilizados pelas restrições impostas por Luizes do mundo urbano, que fazem normas, leis e regulamentos em salas com ar condicionado e com acesso irrestrito aos bens produzidos pelos pobres Zés do meio rural.

Tanto os tecnificados, quanto os Zés são representados pela CONTAG, que em tese, deveria distinguir quem é quem, para melhor defende-los em circunstâncias de disputa. Há, ainda nesta categoria dos ruralistas, os latifundiários, com seus milhares de hectares de terra que produzem commodities, ao invés de alimentos. Estes são os grandes interessados em alterar o Código Florestal, pois carecem de novas áreas para implantar empreendimentos de grande porte. Estes não são nem os Luizes nem os Zés.

Eu arriscaria dizer que são os Johns, que sobre o pretexto de assegurar a soberania e o desenvolvimento do Brasil, defendem a continuidade de um modelo de concentração de terras e riquezas, bem como os interesses das grandes transnacionais, produtoras de sementes e de fertilizantes. Estes são, normalmente, representados pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e possuem pareceres e dados científicos de peso, inclusive de órgãos oficiais do governo brasileiro. Além disto, possuem uma banca de deputados e senadores de peso.

Do outro lado desta peleja estão os ambientalistas de vários matizes e que também podem ser divididos em pelo menos duas categorias: a dos verdes-escuro, aqui batizados de Bills, que não querem alteração alguma no nosso combalido e atacado Código Florestal e a dos verdes-claro, os Franciscos, que querem ver o Brasil adotar uma dinâmica de desenvolvimento socioeconômico e ambiental, baseados em novas premissas, onde riqueza seja entendida como sinônimo de bem-estar social.

Os Bills, como os Johns também são assessorados por cientistas de renome, possuem representantes no parlamento brasileiro, bem como estudos que mostram que o Brasil não cumprirá acordos internacionais e estará destinado a ser pobre para sempre, caso o Código Florestal seja modificado.

Os Bills são a favor do banimento do amianto e do mercúrio, (porque isso já aconteceu na Europa e EUA), questionam a construção de Belo Monte e, por último, dizem que acidentes terríveis e muito mais graves do que aquele que ocorreu no Golfo do México acontecerá aqui, caso o País siga com seu projeto de explorar petróleo na camada do pré-sal. É difícil dizer sob que instituições os Bills estão abrigados, mas eu arriscaria as grandes ONGs internacionais.

Os Franciscos, por seu turno, podem ser encontrados em escolas, universidades, ONGs, Instituições Públicas ou Privadas e, de modo geral, são técnicos, agricultores, professores e cientistas que andam por este imenso país tentando encontrar soluções para sanar as diferenças regionais ou os eternos conflitos entre o uso e o abuso dos recursos naturais. Às vezes, os Franciscos podem ser Luizes, mas nem sempre. Eles não são nem melhores, nem piores que os outros, mas pode-se dizer que ainda cultivam aquele velho sonho de mudar o mundo (ou quem sabe o Brasil?). Eles sabem que a agricultura, que é fundamental para a sobrevivência da espécie humana, precisa ser praticada em outras bases, onde o respeito pelas restrições ambientais deve ser observado.

Falam de Agroecologia, de Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEEs), de Sistemas Agroflorestais (SAFs) como ferramentas para contemporizar divergências e recuperar áreas degradadas. Grande parte dos Franciscos acha que a alteração do Código pode ocorrer, porque as leis, como quase tudo na vida, envelhece. Mas recomendam cautela, em especial quando se trata de particularizar ou estadualizar o regramento ambiental, pois sabem que os biomas não obedecem a fronteiras determinadas por padrões político-administrativas. Os Franciscos, por suas andanças nesse imenso país, conhecem a diversidade geológica, geográfica, climática, de fauna, de flora e de cultura e acreditam que é possível sim permitir diferentes parâmetros e tamanhos para as áreas de matas ciliares, pois sabem que a realidade amazônica é diferente daquela encontrada na caatinga, no cerrado ou na mata atlântica e, portanto, podem ser protegidas de forma diferenciada.

Muitos Franciscos são filhos dos Zés e por isto mesmo sabem que os Zés, mais do que quaisquer Luizes, compreendem o valor e a necessidade de proteger os rios, as matas e os animais nativos, pois desta proteção deriva a sua sobrevivência e manutenção na terra. Os Franciscos, ao contrário dos Bills e dos Johns, querem que o Brasil alie conhecimentos tradicionais com instrumentos modernos (ZEEs, GIS, PSA, Corredores Ecológicos, modelos matemáticos/estatísticos, leis etc.) para dar sustentação às escolhas produtivas e de proteção dos ecossistemas, pois mesmo tendo consciência de que tais instrumento podem facilitar privilégios, eles podem, também, se converterem em ferramentas de decisão pública para atender especificidades regionais/locais, sem perder de vista o conjunto que representa este nosso megadiverso País.

Com certeza os Franciscos que sonhavam em mudar o mundo ou serem instrumentos para o estabelecimento da verdade e da paz em lugar dos erros e da discórdia, carregam hoje uma frustração, pois perceberam que a discussão sobre as mudanças no Código Florestal se converteu em um jogo entre oponentes que não visam o bem comum, a preservação do meio ambiente ou a soberania nacional. Este não é um conflito entre o certo e o errado, entre o bem e o mal ou entre o mocinho e o bandido, mas sim uma disputa ferrenha de dominação econômica e política, onde os Johns obtiveram a vitória no primeiro e mais decisivo round (na Câmara dos Deputados).

A peleja continua, agora no Senado Federal. Porém, além dos senadores, um novo e importante ator entrou no embate. Trata-se do Zé Luiz Francisco, que ora também atende por John, ora por Bill, e que representa o Governo Federal. Tardiamente, no final da negociação na Câmara, o Zé Luiz Francisco tentou definir o jogo em favor de um Brasil que sabe ser multidiverso e criativo, que quer ser uma potencia agroenergética, mas, também sustentável em todas as suas dimensões. Porém, por conta de sua personalidade difusa, e até esquizofrênica, foi derrotado em vários pontos. A seu favor, conta o fato de que ele é o Senhor da caneta que sancionará (ou não) a nova Lei.

Esperando equilibrar o jogo, vamos todos nós brasileiros para mais um round dessa disputa. Cada um que escolha o personagem que melhor o represente (Zé, Luiz, Francisco, Bill o John) e pressione os Senhores Senadores para que votem no melhor caminho para o Brasil.

(*) Suzi Maria de Cordova Huff Theodoro é pesquisadora adjunta sênior da UnB, lotada no Centro de Desenvolvimento Sustentávesi - CDS. Graduada em geologia pela Unifor, tem Mestrado em Geologia Econômica, doutorado e pós-doutorado em Desenvolvimento Sustentável, os três pela Universidade de Brasília.

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