Medo de “favelão” frustrou projeto, mas futuro do Centro é ser residencial
“Ter uma política para transformar os prédios caindo aos pedaços em habitação”, diz urbanista
Em agosto de 2019, dias antes do aniversário da cidade, a notícia caiu como “bomba”: o Hotel Campo Grande, que já foi um dos mais luxuosos de Mato Grosso do Sul, seria transformado em 117 imóveis populares.
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O projeto de transformar o Hotel Campo Grande em 117 imóveis populares enfrentou resistência da Câmara de Dirigentes Lojistas, que o rotulou de "favelão vertical". O professor Julio Botega defende que o futuro do Centro deve ser como um bairro popular, já que a classe rica se afastou da região. O hotel, vendido em 2023, será reaberto como parte da rede Slaviero, com previsão de entrega em outubro e investimento de R$ 50 milhões. Especialistas destacam a necessidade de infraestrutura e políticas que incentivem a habitação no Centro, que deve ser visto como um espaço de moradia e não apenas de comércio.
Mas, entre os aplausos de urbanistas, e críticas da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas), o projeto ganhou o rótulo de “favelão vertical” e ficou sem os recursos do governo federal para habitação.
Para o professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela USP (Universidade de São Paulo), Julio Botega o futuro do Centro é ser bairro.

“No caso do hotel, havia o dinheiro para transformar em habitação social. E quem se opôs, a CDL. Falando que ia virar um favelão vertical. Eu participei da audiência pública, vi os dirigentes da CDL falando isso. Porque achavam que as pessoas com renda de R$ 3 mil, R$ 4 mil não deveriam morar lá. Mas esquecem que é justamente quem compra deles. Eles preferiam que viessem gente com dinheiro”, afirma Julio.
A região central já foi o endereço das pessoas mais abastadas da cidade, porém os ricos, desde a década de 70, migram pela área urbana. Vieram os sobrados em bairros como Jardim dos Estados e Santa Fé. Depois, com o avanço dos prédios comerciais, quem tem dinheiro se espalha pelos condomínios fechados, nas bordas da cidade, e perto de bolsões verdes, que lhes garantem melhor qualidade de vida no comparativo com os demais campo-grandense.
“A classe rica não vai voltar para o Centro, que deve ser visto como um bairro popular e está tudo bem. Não é demérito. Ter uma política para transformar os prédios caindo aos pedaços em habitação”, salienta o professor.
No tabuleiro nacional das capitais, o pesquisador avalia que São Paulo se sai melhor em ocupar a região central, pois é muito grande e oferta produtos específicos.
“Mas em outras cidades, a gente vê essa mesma decadência do Centro. O Centro de Curitiba passa por processo de decadência, o de Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro. São todas cidades que ainda têm essa concepção do Centro como lugar do comércio. Quando o comércio fecha, o Centro padece”.
Ser um lugar onde as pessoas moram e consomem também surge como alternativa para enfrentar o crescimento dos bairros, que oferecem vários serviços perto de casa, e as facilidades do comércio eletrônico.
“Eu entendo o Centro como um bairro. Não como um lugar de comércio, de compras. É um passado que de fato existiu, mas isso não faz mais sentido. Não adianta a CDL achar que isso vai acontecer, que as lojas de grife vão sair do shopping e ir para a 14 de Julho. Pode fazer a intervenção que for, isso não vai acontecer”.
Presidente da CDL, Adelaido Vila também destaca a necessidade de ter moradias no Centro. Contudo, mantém a posição contrária ao projeto habitacional pensado em 2019.
“Como um grupo de famílias de baixa renda ia conseguir dar manutenção naquela estrutura toda? Onde ia ter lazer para as crianças? O imóvel não foi feito para morar, mas para hotelaria. Tanto que deu certo e hoje é esperança para o Centro. Trazer um público bastante qualificado”, diz o presidente da CDL.
Esperança em obras - Localizado na Rua 13 de Maio, o Hotel Campo Grande foi vendido em 2023 e, no começo deste mês, a Câmara Municipal aprovou incentivos para a W Engenharia, dona do imóvel.
Com 135 leitos, o hotel será o primeiro da rede paranaense Slaviero em Mato Grosso do Sul. A previsão de entrega é no mês de outubro. A obra, visitada pela reportagem na manhã desta quinta-feira (dia 17), está em fase de acabamento. A cozinha industrial já está com equipamentos, ainda embalados. O prédio terá restaurante e bar com telão.
Segundo Wagner Borges, o investimento deve fechar em R$ 50 milhões, com 200 postos de trabalho, entre diretos e indiretos. De chegada ao Centro, ele soma a sua voz aos que defendem o estacionamento rotativo, como forma de facilitar o acesso das pessoas.
E vai além. Wagner sugere que o estacionamento seja proibido numa das laterais das vias centrais, favorecendo a circulação dos veículos. “Libera o trânsito sem aumentar custo. Outra medida é o plano diretor. Não deixar a cidade crescer mais. Tem que valorizar o Centro”.
O engenheiro Diego Antônio, da Visori Engenharia, empresa gerenciadora do Retrofit do Hotel Campo Grande, detalha que acompanha a ocupação da região central em outros pontos do Brasil, como em São Paulo, e destaca a viabilidade do Centro para receber projetos habitacionais.
“Precisa ser algo mais concreto. Porque a fala, o discursar é bonito. Mas se não tiver uma ação efetiva, entrar dinheiro, isso não acontece. A gente sabe que o Centro tem a infraestrutura necessária. O hotel está vindo para o Centro. Mas, e o entorno? Não é só trazer as pessoas, mas dá condições para que elas fiquem no Centro”.

No quesito estrutura o engenheiro Bruno Cueva, engenheiro de execução da obra do hotel, destaca os recursos já encontrados na região. Como energia elétrica, internet e saneamento.
O Centro que habito – O professor Julio Botega conta que é morador da região central e dispensou o carro há três anos.
“Eu gosto de morar lá porque consigo fazer tudo caminhando. Vou à academia, mercado, farmácia. Eu nem tenho carro, já faz três anos”.
Há quatro meses, Danielli Heritier, 38 anos se mudou para a região central e se surpreendeu com as facilidades na rotina do dia a dia.
“Eu decidi me mudar para ter mais fácil e rápido acesso ao trabalho. Então, percebi que além de ganhar tempo, também economizei bastante. Percebi que morando no Centro, eu consigo ir a pé resolver as minhas coisas. Estou próxima dos bancos, lotéricas e todo o comércio da área central”, afirma.
Ela também aprova a segurança e conta que a noite é até mais tranquila do que no bairro. “Eu moro no quinto andar, então eu observo bastante. Quando o comércio fecha, percebo bastante viaturas da polícia fazendo ronda Depois das 18 horas, se torna uma rua tranquila, você consegue descansar. Estou muito feliz morando no Centro de Campo Grande”.
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