ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MARÇO, SEXTA  29    CAMPO GRANDE 24º

Em Pauta

Chapéus largos e mentes estreitas. O branco superior

Mário Sérgio Lorenzetto | 07/08/2019 06:20
Chapéus largos e mentes estreitas. O branco superior

Entre fevereiro e junho de 1861, dois dos mais famosos "cientistas" da Sociedade Antropológica de Paris - Paul Broca e Louis Pierre Gratiolet - se puseram a debater se o tamanho do cérebro tinha ou não algo a ver com a inteligência do seu portador.
No primeiro assalto da contenda, Gratiolet atreveu-se a argumentar que os melhores e mais brilhantes não podiam ser reconhecidos pelas suas grandes cabeças. Gratiolet, um monarquista confesso, apenas procurava outros meios para afirmar a superioridade dos machos brancos europeus. Broca, fundador da Sociedade Antropológica e o maior "craniômetro", ou seja, medidor de cabeças do mundo, respondeu que o estudo dos cérebros perderia muito de seu interesse e utilidade se a variação do tamanho não contasse para nada. Para eles, e para muitos até nossos dias, haveria um valor relativo dos diferentes povos. Esse é o cerne do racismo. Foi nessa época que nasceram os ancestrais daqueles que assassinaram cruelmente 22 pessoas em El Paso, na fronteira dos EUA com o México. Essa é uma das mais antigas histórias da tentativa de explicar o racismo usando as ciências.

Chapéus largos e mentes estreitas. O branco superior

A cabeça de Cuvier é a medida da inteligência?

O barão Georges Cuvier tinha sido o maior anatomista de seu tempo. Falecera algo como 30 anos desse debate. Respeitado por todos, seria Cuvier a medida da inteligência? Esse foi o debate dos racistas. Os contemporâneos de Cuvier maravilhavam-se com sua "cabeça maciça". Assim, quando Cuvier faleceu, seus colegas, no interesse da "ciência" e da curiosidade, decidiram abrir o grande crânio. No 15 de maio de 1832, um grupo dos maiores médicos e biólogos da França reuniu-se para dissecar o corpo de Cuvier. Nada encontraram de notável no corpo. Partiram para examinar o crânio. Como escreveu o médico-chefe: "pudemos contemplar o instrumento dessa inteligência poderosa". E as expectativas deles foram recompensadas. O cérebro de Cuvier pesava 1.830 gramas, mais de 400 gramas acima da média e 200 gramas a mais do que qualquer cérebro anteriormente pesado.

Chapéus largos e mentes estreitas. O branco superior

O ponto fraco inicial.

Broca aumentou sua vantagem, apoiando grande parte da sua causa no cérebro de Cuvier, mas Gratiolet fez algumas pesquisas e encontrou um ponto fraco. Na sua reverência e no seu entusiasmo, os médicos esqueceram de preservar tanto o cérebro como o crânio de Cuvier. Mais ainda, não registraram quaisquer medidas do crânio. E assim não se pode confirmar o peso de 1.830 gramas atribuído ao cérebro.
Gratiolet procurou um substituto possível e teve um clarão de inspiração: "Nem todos os cérebro são pesados pelos médicos, mas todas as cabeças são medidas pelos chapeleiros e eu consegui obter, dessa nova fonte, informações que me atrevo a esperar..." Em suma, Gratiolet encontrara o chapéu de Cuvier. E assim, durante algumas reuniões, algumas das maiores "mentes" da França ponderaram seriamente acerca do significado de um chapéu na mensuração da inteligência.

Chapéus largos e mentes estreitas. O branco superior

O tamanho do chapéu de Cuvier.

O chapéu de Cuvier media 21,8 centímetros de altura e 18 centímetros de largura. Não estava fora da escala, embora fosse grande. Mais ainda, estava "amaciado pelo uso prolongado". Provavelmente era menor quando Cuvier o comprara. Além disso, Cuvier tinha cabelos espessos e desgrenhados . Usando o chapéu como medida, tudo indicava que efetivamente o crânio de Cuvier "era grande, mas não era absolutamente excepcional ou único ", quando comparado com uma enorme quantidade de chapéus medidos pelos chapeleiros da época.

Chapéus largos e mentes estreitas. O branco superior

A questão primária para a "ciência do homem".

À superfície, essa história parece grotesca. Pensar nos melhores antropólogos da França discutindo apaixonadamente acerca do significado do chapéu de um colega morto poderia facilmente provocar a mais enganosa e perigosa inferência - a de um passado como domínio de patetas ingênuos -. Mas, se rirmos zombeteiramente, nunca compreenderemos. Tanto quanto sabemos, a capacidade intelectual humana não se alterou no transcurso dos últimos milhares de anos. Nem está diferenciada entre os povos ao longo do tempo. Bem claro, não há povo mais inteligente ou mais burro. O que esses antropólogos desejavam explicar era a questão primária para a "ciência" do homem. Explicar porque alguns indivíduos ou grupos são melhor sucedidos que outros utilizando uma ideia oca que ainda persiste: tamanho de cérebro.

Nos siga no Google Notícias