Em tempos de celular e internet, o pedido de casamento que chegou por carta
Um pedido de “quer casar comigo” feito por escrito para ter a chance de ver a mulher por minutos, que seja. Para ele, encontrá-la cara a cara significaria mais do que uma vida toda a dois. A luta que Dalvany trava já tem três meses. A única chance de tocá-la, pelos próximos anos, seria a de juntos dizerem sim.
O pedido de casamento foi feito de próprio punho, entre as tantas cartas que ele e Francisca trocam e demorou pelo menos um dia para chegar até ela. Saiu da rua Indianápolis até a rua Uruguaiana em um malote. Entre o Instituto Penal de Campo Grande e o Presídio Feminino.
A resposta veio alguns dias depois. Mas não tem problema. Quem vive de escrever não cobra imediatismo. O tempo lá dentro é outro e o relógio da prisão não caminha igual ao ponteiro da liberdade.
Ele teve resposta. Houve consenso. O ‘sim’ dela ultrapassa o sonho de menina do vestido branco, véu e grinalda. Ela também sabe que seria a única forma de estarem os dois, no mesmo lugar, na mesma hora e livres.
“Eu falei que a gente estava há muito tempo dessa forma e precisava encontrar uma forma de ficar junto. Que eu pudesse ficar na frente dela, abraçar ela, era casando com ela”.
O desabafo sai como alegria. Um homem negro, no alto de seu 1,82m, Dalvany de Paula Moura, 40 anos, abraça e beija uma das cartas como se fosse o rosto de Francisca. Para quem vê, ali está só uma folha de caderno. Para ele, a mulher “mais maravilhosa e importante do mundo”. É assim que ele endereça todas as semanas as cartas para Francisca Delosanta Gimenes Moura.
“Se pudesse escrevia o dia inteiro. Conto a minha vida, quero saber da vida dela, é o meu relacionamento. Para mim isso é visita. É uma visita que eu espero, se não vem eu digo, não fui lembrado hoje e quando chega, é muita emoção”.
Juntos eles têm cinco anos e meio de história. Parte deles vividos entre as grades. Há um ano e três meses o contato deixou de ser diário. A prisão dela veio primeiro e nos últimos seis meses, ele também passou a vê-la apenas pelas cartas. Reincidentes os dois, foram idas e vindas e milhares de declarações de amor.
A toalha estampa o nome do casal entre a frase “eu amo você”. Presente bordado por ela à ele e que ainda guarda um perfume.
“Eu chego a dormir com as cartas. Eu coloco em cima e durmo sentindo o cheiro dela. É ela”.
“Assim como as mais lindas e perfeitas rosas abrem suas maravilhosas pétalas para receber o perfume e orvalho dourado da manhã, eu espero que você abra o seu coração para receber essas humildes palavras”. É um dos trechos escritos, numa caligrafia impecável, por Francisca.
Cheirosas, as cartas mandam mais que declarações, é como se uma parte dos dois também estivesse ali.
Ele ainda nem sabe quanto tempo ainda ficará preso, nem se vai conseguir vê-la por uma tarde que for. O casamento depende se Justiça der o aval para os dois, na mesma hora e local, comparecem ao cartório.
Ele pede à assistência social há três meses. “Quero ser o privilegiado. É muito importante pra mim, na minha vida encarceirada e lá fora seria uma honra ter uma vida normal, poder cuidar dela e ela cuidar de mim”.
Caso a justiça negue. Dalvany e Francisca vão se encontrar apenas nos nomes. Um ligado ao outro em um novo papel, a certidão de casamento.